O cangaço
No sertão do Nordeste brasileiro,
as violentas disputas entre famílias poderosas e a falta de perspectivas de
ascensão social numa região de grande miséria levaram ao surgimento de bandos
armados, gerando o fenômeno do cangaço. Cangaço é a denominação dada ao tipo de
luta armada ocorrida no sertão brasileiro, do fim do século XVIII à primeira
metade do século XX. Cangaceiro era o homem que se dedicava a essa atividade,
trazendo sempre atravessada nos ombros sua espingarda, como um boi debaixo da
canga. Já no começo do século XIX, o cangaceiro trazia a tiracolo ou
dependurada no cinturão toda sorte de armas suplementares, como longos punhais
que batiam na coxa e cartucheiras de pele ou de couro, praticamente a mesma
indumentária de Lampião, cem anos mais tarde.
O cangaço político resultou, muitas vezes, das rivalidades entre as oligarquias
locais, e se institucionalizou como instrumento dessas oligarquias, empenhadas
na disputa para consolidar seu poder. Mas no final do século XIX surgiram
bandos independentes que não se subordinavam a nenhum chefe local, tendo sua
origem no problema do monopólio da terra. Esse tipo de cangaço já existira no
passado, em função das secas, mas não conseguira perdurar, eliminado pelos
potentados locais, assim que se restabeleciam as condições normais de vida.
O primeiro dos grandes bandos independentes foi o de Antônio Silvino (1875),
pernambucano que, desde jovem, na última década do século XIX, se dedicara ao
cangaço a serviço da família Aires. A partir de 1906, afastou-se das lutas
políticas e dos conflitos entre famílias, passando a lutar pela dominação
armada de áreas do sertão. Atuou em Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e
Paraíba, espancando, assassinando, cobrando tributos e saqueando. Ferido em
1914, durante combate, foi preso e condenado a trinta anos de prisão em Recife,
sendo indultado em 1937.
Os três tipos de cangaço muitas vezes coexistiram. O defensivo e o político
ocorreram por todo o país e sobrevivem, a bem dizer, até os dias atuais. O
independente, porém, tem localização certa no tempo, pois surgindo em fins do
século XIX, praticamente desapareceu em 1939, com a morte de Corisco, o Diabo
Louro, o mais famoso chefe de bando depois de Lampião.
A extinção desse fenômeno social foi consequência sobretudo da mudança das
condições sociais no país, das perspectivas de uma vida melhor que se abriam para
as massas nordestinas com a migração para o Sul, e das maiores facilidades de
comunicação, entre outros fatores. Mais de dez anos antes da morte de Corisco
já os nordestinos começavam a migrar para as fazendas paulistas de café, em
longas viagens a pé; de 1930 em diante, a industrialização no Sul, a abertura
de novas frentes agrícolas, como a do norte do Paraná, e a interrupção da
imigração estrangeira tornaram mais intensa a demanda de braços do Nordeste,
trazendo, como consequência, uma intensa migração para o Rio de Janeiro e São
Paulo.
Cícero Romão Batista
O relógio assinalava cinco horas quando
Cícero Romão Batista nascia numa humilde casa de número 157 da Rua Grande, hoje
Rua Miguel Limaverde, no Centro de Crato. O dia era 24 e corria o mês de março
do ano de 1844, durante uma madrugada fria motivada pelo inverno e a
tradicional temperatura amena inerente a uma cidade privilegiada por se
localizar no sopé da Chapada do Araripe. Era o segundo filho do casal de
agricultores Joaquim Romão Batista e Joaquina Vicência Romana.
Oriundo de uma família pobre do sertão
cearense, ele foi criado entre duas irmãs: “Mariquinha” e Angélica. Ainda
jovem, com 18 anos, viu seu pai morrer vitimado por uma epidemia de cólera e,
dezesseis anos após, a morte da irmã Angélica. Nesta época, já era o Padre
Cícero Romão que acompanhava a recomendação do corpo da mana mais velha. Ele
começou a sentir sua vocação para o sacerdócio após ter lido sobre a vida de
São Francisco de Sales, fazendo voto de castidade ainda aos doze anos.
O ingresso no Seminário da Prainha, em
Fortaleza, ocorreu quando tinha 21 anos de idade e, cinco anos após, já estava
sendo ordenado. Padre Cícero retornou ao Crato no ano seguinte, mas sua
identidade maior foi com o vilarejo denominado “Joazeiro”, pertencente àquele
município. Daí em diante tornou-se o evangelizador e líder espiritual da
comunidade, que passou a respeitá-lo. Faltavam apenas 18 dias para o sacerdote
completar 45 anos quando um fato despertou a atenção de todos. Após consagrar a
hóstia e pôr na boca da beata Maria de Araújo, viu a mesma transformar-se em
sangue.
Segundo historiadores, a notícia correu e
passou a atrair fiéis de todos os lugares. Enquanto a localidade ia se
transformando num centro de romarias, Padre Cícero era suspenso das ordens.
Muitas foram as versões para os fatos ainda hoje objeto de estudos. As
peregrinações tiveram continuidade e até cresceram após a morte do “Padim”.
Hoje, Juazeiro do Norte acolhe cerca de 2,5 milhões de romeiros por ano.
Canudos
A chamada Guerra de
Canudos, revolução de Canudos ou insurreição de
Canudos, foi o confronto entre um movimento popular de fundo
sócio-religioso e o Exército da República, que durou de 1896 a 1897, na então
comunidade de Canudos, no interior do estado da Bahia, no Brasil.
O episódio foi fruto de uma série
de fatores como a grave crise econômica e social em que encontrava a região à
época, historicamente caracterizada pela presença de latifúndios improdutivos,
situação essa agravada pela ocorrência de secas cíclicas, de desemprego
crônico; pela crença numa salvação milagrosa que pouparia os humildes
habitantes do sertão dos flagelos do clima e da exclusão econômica e social.
Inicialmente, em Canudos, os
sertanejos não contestavam o regime republicano recém-adotado no país; houve
apenas mobilizações esporádicas contra a municipalização da cobrança de
impostos. A imprensa, o clero e os latifundiários da região incomodaram-se com
uma nova cidade independente e com a constante migração de pessoas e valores
para aquele novo local passaram a acusá-los disso, ganhando, desse modo, o
apoio da opinião pública do país para justificar a guerra movida contra o
arraial de Canudos e os seus habitantes.
Aos poucos, construiu-se em torno
de Antônio Conselheiro e seus adeptos uma imagem equivocada de que todos eram
"perigosos monarquistas" a serviço de potências estrangeiras,
querendo restaurar no país o regime imperial, devido, entre outros ao fato de o
Exército Brasileiro sair derrotado em três expedições, incluindo uma comandada
pelo Coronel Antônio Moreira César, também conhecido como
"corta-cabeças" pela fama de ter mandado executar mais de cem pessoas
na repressão à Revolução Federalista em Santa Catarina, expedição que contou
com mais de mil homens. A derrota das tropas do Exército nas primeiras
expedições contra o povoado apavorou o país, e deu legitimidade para a
perpetração deste massacre que culminou com a morte de mais de seis mil
sertanejos. Todas as casas foram queimadas e destruídas.
Canudos era uma pequena aldeia que
surgiu durante o século 18 às margens do rio Vaza-Barris. Com a chegada de
Antônio Conselheiro em 1893 passou a crescer vertiginosamente, em poucos anos
chegando a contar por volta de 25 000 habitantes. Antônio Conselheiro rebatizou
o local de Belo Monte, apesar de estar situado num vale, entre colinas.
A situação na região, à época, era
muito precária devido às secas, à fome, à pobreza e à violência social. Esse
quadro, somado à elevada religiosidade dos sertanejos, deflagrou uma série de
distúrbios sociais, os quais, diante da incapacidade dos poderes constituídos
em debelá-los, conduziram a um conflito de maiores proporções.


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