Política de Cotas e alguns porquês
Vozes unânimes contrárias às políticasde cotas têm se manifestado nos mais diversos setores da sociedade brasileira.
Mesmo aqueles que nunca opinaram nos diversos assuntos em andamento na
sociedade brasileira, neste caso e em nenhum mais outro, opinam, e são contra.
Têm muitos que dizem: ouvi falar, não entendi direito, mas em princípio sou
contra. Dizem que são contra por serem contra qualquer
distinção étnica/racial. Sim, mas o estado atual da nossa sociedade não e´ de
completa distinção étnica? Alguns confirmam que sim, mas pensam que estas leis
só vão mexer com o que está quieto, mexendo pode ser pior. Não
conseguem explicar pior por que e para quem?
Tenho perguntado a muita gente as
razões pelas quais são contra, e alguns já confessaram serem contra por serem
contra. Outros formulam que são contra por ser injusto. O que é
justo e qual o senso de justiça? A atual situação da população negra é justa?
Não, dizem que não, mas remendam dizendo que não é por aí. Então eu
pergunto: E por onde é? Que apresentem outras saídas que nos tire
desta inércia nacional onde nada e absolutamente nada acontece em
favor da população afrodescendente.
O Conselho é composto de 24 membros, e só
agora, depois de muita luta e esforços variados conseguimos uma. Uma e só
uma. Há membros neste Conselho que não possuem a metade dastitulações acadêmicas e produção científica em educação dos muitos candidatosque nós temos apresentado, mas estão lá, fazem parte do sistema branco, classemédia e rica; alguns herdeiros de escravistas criminosos, isto também conta.Não nos falta competência e nem luta. Aliás, demos imenso duro coletivo,abdicando de coisas pessoais para chegar a este estado da discussão sobre negro
na sociedade brasileira. Temos o mérito requerido, nos sobra mérito acima do
requerido, entretanto, não fazemos parte da etnia privilegiada por esta “cota”
presente. Entretanto se adotássemos esta outra política de cotas proposta pelos
movimentos negros, a qual a grande maioria da população é contrária, teríamos
por lei, pelo menos seis membros no Conselho Nacional de Educação. Poderíamos
discutir, ainda que em situação minoritária, as políticas educacionais de
interesse da população afrodescendente em posição amplamente mais
confortável.
As pessoas são contra e estão em
oposição às políticas de cotas propostas por nós, discutidas abertamente e
negociadas dentro de parâmetros da democracia e da igualdade, por não terem as
informações do que são as cotas e das suas conseqüências práticas nas
representações do poder, nas gestões públicas e na promoção prática e objetiva
da igualdade de oportunidades. Também existe uma parcela importante que é
contra as políticas de cotas para negros porque estas mexem com os
privilégios acumulados há séculos. Privilégios não discutidos abertamente, das
“cotas invisíveis” existentes para a etnia branca na sociedade brasileira.
A dificuldade na discussão e na
compreensão das políticas de ações afirmativas, das quais as políticas de cotas
fazem parte , está na nossa prática hegemônica (branca) de não
prestar atenção ao lado e às vozes negras. Sim, pense bem, a maioria não está
acostumada a nos ouvir e prestar atenção ao que falamos. Esta maioria
desacostumada, que inclui negros e brancos, não tem posto na equação das
políticas de cotas a existência dos racismos e sua incidência sobre o mercado
de trabalho. Por isto, para esses as cotas para negros não fazem o menor
sentido. Eu vou tentar exemplificar através de dois grupos de mulheres negras e
brancas que moram no mesmo bairro, estudaram na mesma escola pública, fizeremestudos trabalhando durante o dia e estudando a noite, e que apenas o grupobranco conseguiu fazer faculdade particular. O grupo de negras concluiu oensino médio. Aparentemente poderíamos concluir que grupo branco teve maisgarra e mérito e por isto foi mais bem sucedido, tendo a merecida ascensãosocial. O que ocorreu e não foi dito. Vejam o perfil dos empregos. Com a mesmaescolaridade, antes da faculdade, as mulheres brancas tinham empregos de
secretária e recepcionista nas empresas e de vendedoras nas lojas dos “Shopping
Center” . Os salários médios variavam de 3 a 5 salários mínimos (isto antes do
plano real, hoje a média é mais baixa). O grupo de mulheres negras
tinha empregos de domestica, faxineira, empregada de fábricas pequenas,
empregos públicos de baixa remuneração, caixas de supermercado, de um a três
salários mínimos. Elas não conseguiam por causa da “boa aparência” os mesmos
empregos que as suas colegas brancas. O grupo branco conseguia com os salários
pagar o cursinho pré-vestibular e a universidade, e mesmo dando duro estavam em
vantagem em relação às negras. Vantagens salariais e empregatícias dadas ao
grupo étnico branco. Reparem que os “Shopping Center” e as empresas
não empregam negros e pardos, afrodescendentes, para os mesmos cargos.
Precisamos de política de cotas para reparar estas dessimetrias causadas pelos
racismos, pois os filhos destas mulheres vão receber esta herança. Vejam, as
estatísticas mostram que os negros pobres ganham em média a metade dos salários
dos brancos pobres, isto para mesmo nível de escolaridade. Ou seja, para o
negro ganhar o mesmo salário que o branco tem que ter o dobro da escolaridade.
Estes são resultados das pesquisas recentes do IPEA, que apenas
confirmam o que os movimentos negros já afirmavam há tempos. Estes são os
resultados do racismo à brasileira, situação em que as políticas de cotas podem
introduzir algumas transformações gradativas.
A política de cotas não vai minimizaro esforço de estudo de ninguém e não vai dar diploma de graça, como tem sidodito por aí. Vai apenas viabilizar que uma parcela de negras e negros excluídosseja reintegrada ao campo das oportunidades quase que iguais. Estasoportunidades nunca serão iguais face aos nossos prejuízos históricos e nuncarecompensados. Os afrodescendentes terão a possibilidade de fazer aquelafaculdade que, por razões da imposição do sistema político e econômico
etnocentrado, não puderam. Aí sim, poderemos ver quem é capaz de aprender os
conteúdos exigidos para a escolaridade universitária ou quem foi apenas barrado
pelo racismo. A entrada nas universidades deverá respeitar critérios e
comprovação dos conhecimentos básicos ao nível universitário. Para desmoralizar
as cotas andam dizendo que os diplomas nossos serão desvalorizados, pois
entramos pelas cotas.

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